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Adital -
Apresentação
As eleições para renovação das chefias do Executivo e recomposição do
Legislativo em 2010 poderiam se constituir em momento histórico ímpar para
debater os direitos sociais dos cidadãos do Brasil.
Alem disso, no campo político e ideológico emergiu um cenário favorável para
a ampliação do papel do Estado na economia e na regulação dos mercados. O
colapso financeiro internacional (2008) interrompeu um longo ciclo de
hegemonia do neoliberalismo em escala global. Muitos dos dogmas do
"pensamento único" caíram por terra. Instituições como BIRD e FMI reconhecem
o fracasso das políticas inspiradas pelo Consenso de Washington.
Este cenário abre uma oportunidade histórica para a ampliação do papel do
Estado na consolidação do sistema de proteção social consagrado pela
Constituição de 1988.
Como sabemos, a Constituição de 1988 restabeleceu a democracia e consagrou
as bases de um sistema de proteção social universal e inspirado no Estado de
Bem Estar Social. Um feito notável pelas circunstâncias internacionais
adversas, marcada pela hegemonia do neoliberalismo em escala global, e por
contrariar profundamente os interesses das elites nacionais retrógradas.
Exatamente por essas razões, parte dessas conquistas permanece inconclusa:
Políticas Urbanas, Seguridade Social e Orçamento da Seguridade Social.
Outras foram afetadas por contra-reformas conservadoras: Reforma Agrária,
Direitos Trabalhistas e Direitos Previdenciários. Educação, Saúde e
Assistência social sofrem de graves restrições financeiras que minam os
avanços obtidos no plano institucional. Após mais de 20 anos, a consolidação
das conquistas de 1988 permanece no fio da navalha.
Para avançar na consolidação do sistema de proteção social é necessário
discernir sobre o tema, agendá-lo na campanha eleitoral e constituir
articulação das entidades representativas da sociedade civil - organizações
populares, movimentos sociais, igrejas e sindicatos de trabalhadores -
dispostas a refletir seriamente sobre os rumos do Brasil, sob ótica da
igualdade, solidariedade e equidade.
O objetivo imediato desta "Carta-Compromisso" é precisamente o que se
enuncia no parágrafo-anterior - constituir um pólo de reflexão e mobilização
sobre os rumos políticos do Brasil, de maneira a colocar algumas destas
questões na agenda eleitoral, principalmente àqueles que dizem diretamente
respeito às políticas sociais e indiretamente às políticas econômicas que as
respaldariam.
De certa forma, há um conjunto de manifestações e ações precedentes, desde o
Fórum Nacional de Previdência Social em 2007, que de alguma maneira
aproximou entidades nacionais ligadas às questões sociais, no sentido de
tomarem posição sobre temas relevantes, como Reforma da Previdência, Reforma
Tributária, Política de Saúde Pública, etc.
Neste sentido, o Movimento em Defesa dos Direitos Ameaçados na Reforma
Tributária atuou fortemente no sentido de garantir o financiamento exclusivo
das políticas sociais, especialmente as que integram a seguridade social, da
educação básica e da política de trabalho que estavam ameaçados na Proposta
de Emenda Constitucional da reforma tributária. Ressalte-se que o próprio
Projeto de Reforma do Executivo, foi objeto de confrontação por mais de uma
centena de entidades da sociedade civil, representando milhares de cidadãos
brasileiros, que em manifestação explícita junto à Presidência da Câmara
Federal (março de 2009), denunciaram a tentativa clara de desestruturação do
Sistema de Seguridade Social e do financiamento das políticas sociais.
O resgate destas iniciativas de discussão da Política Social é de todo
pertinente ao momento político atual. A experiência dos últimos pleitos
eleitorais de 2002 e 2006 indica que passam tangentes pelas agendas oficiais
dos partidos políticos e mesmo dos grandes meios de comunicação os temas
estruturantes da política social e do desenvolvimento com sustentabilidade
ambiental.
Mas voltam nos primeiros meses dos novos governos, como se fossem agendas de
consenso, para realizar reformas radicais, supostamente ultra-urgentes, em
geral de caráter restritivo aos direitos sociais.
Tendo todas essas informações preliminares estão postas como pano de fundo
ao objetivo imediato desta Carta - preparar uma articulação de entidades
civis que se disponha a pensar e propor estratégias nacionais de política
social para a década de 2010. Lembrar que simbolicamente 2022 é bicentenário
da independência nacional, data significativa para determinadas metas do
Brasil - nação.
No contexto dessa iniciativa, produzir-se-iam textos provocativos, sob a
forma de documentos gerais e setoriais, postos à consideração dos candidatos
às chefias do Executivo e do Congresso, com ampla disseminação e apelo
participativo à sociedade em geral.
A guisa de sugestão, para abrir uma agenda de questões relevantes sobre as
quais poderíamos ou deveríamos nos manifestar, seguem alguns tópicos para
reflexão:
1. Papel do Estado e Planejamento - O experimento neoliberal das últimas
décadas minou, profundamente, a capacidade do Estado brasileiro em promover
políticas de desenvolvimento. Em países de capitalismo tardio, a presença do
Estado sempre foi decisiva nesse processo. É urgente que o Estado brasileiro
volte a ser o ator central na condução e articulação de ações
macroeconômicas que priorizem o crescimento econômico sustentável com
estabilidade de preços e distribuição da renda. A reorganização do Estado
requer uma reforma administrativa que resgate a sua capacidade de
planejamento de longo prazo. O Estado brasileiro também deve recompor sua
capacidade de investir diretamente em projetos de infra-estrutura econômica
e social, de reconhecido interesse para o desenvolvimento nacional, com
sustentabilidade ambiental.
2. Distribuição da Renda - Promover a redistribuição da renda e da riqueza
social. Convergir todas as ações governamentais (econômicas e sociais) para
esse objetivo. Formular políticas específicas para melhorar a inserção
laboral das mulheres negras, um dos segmentos mais vulneráveis no mercado de
trabalho.
3. Reforma Tributária - Formular uma reforma tributária de caráter
progressivo e redistributivo que promova a justa distribuição de renda e de
riqueza. Rechaçar a Proposta de Emenda Constitucional 233/2008, em
tramitação no Congresso. Promover a justiça tributária pela elevação da
progressividade dos impostos. Submeter todos os rendimentos recebidos por
pessoas físicas à tabela do Imposto de Renda, assegurando a isonomia
tributária prevista na Constituição, revogando a isenção de IR distribuição
dos lucros e dividendos, na remessa de lucros e dividendos ao exterior e nas
aplicações financeiras de investidores estrangeiros no Brasil. Elevar a
participação dos tributos diretos. Ampliar a progressividade do Imposto de
Renda da Pessoa Física (IRPF). Instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas
(IGF) previsto na Constituição Federal de 1988 como de competência da União.
4. Relações entre a Política Econômica e a Social - Alterar a articulação
perversa entre os objetivos econômicos e os objetivos sociais vigente nas
últimas décadas. Avançar em opções macroeconômicas que priorizem o
crescimento econômico sustentável com estabilidade de preços e distribuição
da renda.
5. Desenvolvimento e Meio Ambiente - Assegurar desenvolvimento econômico
ambientalmente sustentável e socialmente justo, capaz de promover a
preservação dos recursos naturais, a produção de alimentos saudáveis e a
gestão ambiental.
6. Emprego e Renda - Promover o pleno emprego. Seguir a política de
valorização gradual do salário mínimo. Reduzir a jornada semanal para 40
horas. Garantir uma regulação de trabalho de maior proteção contra a
insegurança que os trabalhadores estão submetidos. Ampliar o emprego formal
pelo fortalecimento das instituições que atuam na área do trabalho (Sistema
de fiscalização, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho).
Proteger o trabalhador face a gama variada de ameaças que o afetam, com
destaque para os riscos clássicos incapacitantes do trabalho, ainda não
atendidos pela proteção da Seguridade Social e as discriminações étnicas, de
gênero e de qualquer outra natureza que ainda afetam as relações
trabalhistas no Brasil.
7. Financiamento das Políticas Sociais - Restabelecer, imediatamente, as
bases de financiamento dos direitos sociais assegurados pela Constituição.
- Extinguir a DRU e carrear a totalidade desses recursos para a área social,
em respeito aos princípios inaugurais da Carta de 1988.
- Aplicação integral dos recursos do Orçamento da Seguridade Social na
Seguridade Social em cumprimento aos artigos 194 e 195 da Constituição
Federal.
- Elaboração dos Orçamentos da Seguridade Social, Fiscal e das Estatais, de
forma segregada, conforme o art. 165, da Constituição Federal.
- Exigir que o MPAS apresente dados financeiros em conformidade com a
Constituição da República, separando as fontes e usos dos benefícios
contributivos (INSS Urbano) da contribuição especial (benefício rural que é
arrecadado com base na contribuição de 2,3% sobre a produção comercializada)
e os benefícios não contributivos (da assistência social, conforme a Loas).
- Assegurar bases sustentadas de financiamento do SUS, com a regulamentação
da EC 29 e o restabelecimento da CPMF, cujas receitas seriam rateadas pela
as três esferas de governo.
- Flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal - condicionada a metas a
serem atingidas, medidas em indicadores sociais - para possibilitar aos
estados e municípios condições financeiras para a gestão das políticas de
saúde, assistência social e educação, cuja responsabilidade lhes foi
transferida. Reverter a danosa terceirização dos contratos de trabalho, por
meio das associações com ONGs e OSCIPS, como forma de os estados e
municípios burlarem os rígidos limites impostos pela LRF para os gastos com
pessoal.
- Assegurar que, a médio prazo, parte da capitalização do Fundo Soberano que
está sendo constituído com recursos das taxas e royalties da exploração do
pré-sal seja canalizada para o financiamento de programas sociais visando o
combate à pobreza e a concentração da renda. A experiência da Noruega é
exemplar para a cobertura das despesas da previdência social em virtude do
envelhecimento da população. Setores como educação e saúde também deveriam
receber, a médio prazo, recursos do Fundo Soberano, pois, o gasto público
brasileiro nesses setores é reduzido se comparado à experiência
internacional dos países centrais e mesmo latino americanos
8. Questão Agrária - Enfrentar a secular questão da concentração da riqueza
agrária no Brasil. Cuidar da terra e dos recursos naturais na perspectiva de
um bem social inter-geracional e não restringi-lo à condição de bem de
mercado, com todas as suas conseqüências perversas sobre o meio ambiente e a
desigualdade social. Ampliar espaços às experiências de economia familiar
rural, dos assentamentos agrários, da economia solidária, da proteção
ecológica e de tantas outras formas de cooperação e solidariedade no âmbito
da produção econômica.
9. Seguridade Social - Cumprir os art. 194 e art. 59 (Atos das Disposições
Constitucionais Provisórias) que tratam da responsabilidade do Poder Público
na "organização da Seguridade Social". O cumprimento da Constituição Federal
exige que o planejamento das ações da seguridade seja realizado forma
integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, pela previdência social,
pela assistência social e pelo seguro desemprego. No entanto, desde o final
dos anos 80, em desacordo com a Constituição, governos optaram pelo caminho
da fragmentação. Recriar o Conselho Nacional de Seguridade Social (extinto
em 1998) com a responsabilidade de coordenar o planejamento integrado das
ações dos setores que integram a Seguridade Social, bem como pelo controle
social sobre as fontes e usos do Orçamento da Seguridade Social.
10. Previdência Social - Promover uma Reforma Previdenciária de caráter
inclusivo, objetivando incorporar 100% da População Economicamente Ativa ao
seguro social até 2022, data do bicentenário da independência nacional.
Nesse ínterim, a política previdenciária deveria acelerar os processos de
inclusão, sem quaisquer retrocessos nos direitos sociais incorporados à
Constituição de 1988, especialmente no vínculo do salário mínimo como
benefício mínimo da Seguridade Social. Há que considerar que o sistema
previdenciário atual ainda exclui completamente cerca 1/3 da População
Economicamente Ativa, e inclui de forma precária trabalhadores informais,
sujeitos a alta rotatividade ou desemprego sazonal (trabalhadores que
realizam no máximo seis contribuições previdenciárias ao ano - cerca de 17
milhões de pessoas). Além da necessária inclusão no sistema das donas de
casa e das trabalhadoras domésticas. E com relação aos inativos -
aposentados e pensionistas, remanesce uma dívida social relativa a perdas do
poder de compra desses benefícios, vinculada à cesta básica específica dessa
população (cesta básica dos idosos).
- Cumprir o princípio da "irredutibilidade do valor dos benefícios"
assegurados na Carta de 1988 e garantir reajustes reais para os benefícios.
- Assegurar que a Previdência do Trabalhador Rural permaneça enquanto
programa parte da seguridade social, rechaçando as propostas que pretendem
transformá-lo num modelo estrito de seguro social, mantendo os trabalhadores
rurais na condição de segurados especiais.
- Avançar na melhoria dos sistemas de gestão dos benefícios MPAS visando
ampliar a eficiência e a justiça do setor, sobretudo no tocante à revisão de
regras na concessão de pensões, bem como no enfrentamento da questão do
acúmulo de aposentadorias e dos benefícios com valores superiores ao teto
constitucional.
- Aplicar sanções previstas nas leis às empresas que têm altos índices de
acidentes de trabalho.
11. Saúde - Assegurar bases financeiras definidas e suficientes para
garantir o cumprimento dos preceitos constitucionais de acesso universal
igualitário e de atenção integral no SUS. Investir em infra-estrutura para
ações e serviços integrais de saúde, dando prioridade aos segmentos sociais
e territoriais que apresentem os piores indicadores de saúde. Romper com o
padrão atual de gastos e de organização de serviços, que se caracterizam por
iniquidades sociais e regionais e reforçam o modelo de atenção voltado para
os interesses da oferta de serviços de alto custo e grande complexidade
tecnológica. Garantir o acesso gratuito a medicamentos no SUS por meio de
políticas de produção nacional, com pleno domínio de tecnologias e insumos
de saúde, incluindo suas patentes. Adotar normas técnicas de prescrição
clínica e aprimorar o sistema de dispensação de medicamentos, a fim de
evitar a crescente demanda judicial nesta área. Eliminar os subsídios
diretos e indiretos ao consumo privado de saúde. Avançar na regulação dos
planos privados de saúde a fim de garantir a integralidade da atenção e o
ressarcimento ao SUS pelos serviços prestados a usuário de planos de saúde.
Implantar sistemas de avaliação dos serviços do SUS mediante a definição de
parâmetros de qualidade e a supervisão de sua aplicação.
12. Assistência Social - Ampliar a rígida linha de corte de renda que define
a elegibilidade ao Benefício de Prestação Continuada (BCP) de 1/4 para ½
salário mínimo de renda familiar per capita. Assegurar por meio de lei
federal o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Programa Bolsa
Família como forma de garantir o direito social previsto pela Constituição.
Que os programas e serviços sejam referenciados nos CRAS e CREAS, que são
unidades de proteção social territorializada e pública. Assegurar que o
Programa Bolsa Família passe a vigorar como direito social garantido pela
Constituição. Ampliar os esforços na construção de um modelo institucional
do Programa Bolsa Família que aperfeiçoe as relações federativas com os
governos estaduais e municipais, bem como suas ações com o SUAS e com os
programas de formação profissional e microcrédito, visando possibilitar a
reinserção das famílias no mercado de trabalho. Ampliar a cobertura para os
jovens de 15 a 18 anos e incorporar aqueles que abandonaram ou estão fora da
escola. Expandir serviços sócio-assistenciais no país.
13. Educação - Universalizar progressivamente a oferta de vagas da educação
infantil, obrigatória pela legislação em vigor. Ampliar a oferta de vagas
públicas do ensino médio e do ensino superior. Garantir a qualidade no
ensino fundamental
14. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano - Corrigir uma lacuna da
agenda dos governos nas últimas décadas, marcada pela ausência de efetivas
políticas nacionais de habitação popular, de saneamento ambiental e de
transporte público. Construir, para cada um desses setores, modelos
institucionais baseados na cooperação federativa e assegurar mecanismos de
financiamento que tenham caráter redistributivo.
- No caso da Habitação Popular, as sucessivas políticas de habitação
adotadas nas últimas décadas se mostraram incapazes de atender às famílias
situadas nas classes de rendimento mensal familiar per capita inferior ou
igual a três salários mínimos (mais de 80% das famílias brasileiras aufere
rendimento mensal familiar nesta faixa), onde se situa mais de 2/3 do
déficit habitacional. No curto prazo e em caráter emergencial é preciso uma
ampla mobilização para minimizar a atual situação das famílias que vivem em
áreas de risco.
- O descaso dos sucessivos governos com o Saneamento Ambiental fica evidente
com a constatação de que, atualmente mais de 50% da população urbana
brasileira não tem seus domicílios ligados a rede pública de esgoto; mais da
metade dos os 5.507 municípios existentes no Brasil, não dispõem de algum
tipo de serviço de esgotamento sanitário; apenas 20% dos municípios
brasileiros tratam o esgoto coletado.
- O abandono do Transporte Público fica evidente com a caótica situação da
circulação nas cidades. Diversos indicadores apontam nesse sentido:
congestionamentos crônicos; baixa velocidade do fluxo de veículos; redução
do número de viagens por habitante; expressivo número de viagens realizadas
a pé; crescimento do transporte "informal" ou "clandestino"; reduzida
participação do transporte de massa em relação ao transporte individual
etc.. O caos que atinge o setor agrava os problemas ambientais, dado o
elevado consumo de combustíveis e de emissão de poluentes.
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